terça-feira, 24 de junho de 2014

A incrível geração de mulheres que foi criada para ser tudo o que um homem NÃO quer

Às vezes me flagro imaginando um homem hipotético que descreva assim a mulher dos seus sonhos:
Ela tem que trabalhar e estudar muito, ter uma caixa de e-mails sempre lotada. Os pés devem ter calos e bolhas porque ela anda muito com sapatos de salto, pra lá e pra cá. Ela deve ser independente e fazer o que ela bem entende com o próprio salário: comprar uma bolsa cara, doar para um projeto social, fazer uma viagem sozinha pelo leste europeu. Precisa dirigir bem e entender de imposto de renda. Cozinhar? Não precisa! Tem um certo charme em errar até no arroz. Não precisa ser sarada, porque não dá tempo de fazer tudo o que ela faz e malhar. Mas acima de tudo: ela tem que ser segura de si e não querer depender de mim, nem de ninguém.
Pois é. Ainda não ouvi esse discurso de nenhum homem. Nem mesmo parte dele. Vai ver que é por isso que estou solteira aqui, na luta. O fato é que eu venho pensando nisso. Na incrível dissonância entre a criação que nós, meninas e jovens mulheres, recebemos e a expectativa da maioria dos meninos, jovens homens, homens e velhos homens. O que nossos pais esperam de nós? O que nós esperamos de nós? E o que eles esperam de nós? Somos a geração que foi criada para ganhar o mundo. Incentivadas a estudar, trabalhar, viajar e, acima de tudo, construir a nossa independência. Os poucos bolos que fiz na vida nunca fizeram os olhos da minha mãe brilhar como as provas com notas 10. Os dias em que me arrumei de forma impecável para sair nunca estamparam no rosto do meu pai um sorriso orgulhoso como o que ele deu quando entrei no mestrado. Quando resolvi fazer um breve curso de noções de gastronomia meus pais acharam bacana. Mas quando resolvi fazer um breve curso de língua e civilização francesa na Sorbonne eles inflaram o peito como pombos. Não tivemos aula de corte e costura. Não aprendemos a rechear um lagarto. Não nos chamaram pra trocar fralda de um priminho. Não nos explicaram a diferença entre alvejante e água sanitária. Exatamente como aconteceu com os meninos da nossa geração. Mas nos ensinaram esportes. Nos fizeram aprender inglês. Aprender a dirigir. Aprender a construir um bom currículo. A trabalhar sem medo e a investir nosso dinheiro. Exatamente como aconteceu com os meninos da nossa geração. Mas, escuta, alguém lembrou de avisar os tais meninos que nós seríamos assim? Que nós disputaríamos as vagas de emprego com eles? Que nós iríamos querer jantar fora, ao invés de preparar o jantar? Que nós iríamos gostar de cerveja, whisky, futebol e UFC? Que a gente não ia ter saco pra ficar dando muita satisfação? Que nós seríamos criadas para encontrar a felicidade na liberdade e o pavor na submissão? Aí, a gente, com nossa camisa social que amassou no fim do dia, nossa bolsa pesada, celular apitando os 26 novos e-mails, amigas nos esperando para jantar, carro sem lavar, 4 reuniões marcadas para amanhã, se pergunta “que raio de cara vai me querer?”.
Talvez se eu fosse mais delicada… Não falasse palavrão. Não tivesse subordinados. Não dirigisse sozinha à noite sem medo. Talvez se eu aparentasse fragilidade. Talvez se dissesse que não me importo em lavar cuecas. Talvez…
Mas não. Essas não somos nós. Nós queremos um companheiro, lado a lado, de igual pra igual. Muitas de nós sonham com filhos. Mas não só com eles. Nós queremos fazer um risoto. Mas vamos querer morrer se ganharmos um liquidificador de aniversário. Nós queremos contar como foi nosso dia. Mas não vamos admitir que alguém questione nossa rotina. O fato é: quem foi educado para nos querer? Quem é seguro o bastante para amar uma mulher que voa? Quem está disposto a nos fazer querer pousar ao seu lado no fim do dia? Quem entende que deitar no seu peito é nossa forma de pedir colo? E que às vezes nós vamos precisar do seu colo e às vezes só vamos querer companhia pra um vinho? Que somos a geração da parceria e não da dependência? E não estou aqui, num discurso inflamado, culpando os homens. Não. A culpa não é exatamente deles. É da sociedade como um todo. Da criação equivocada. Da imagem que ainda é vendida da mulher. Dos pais que criam filhas para o mundo, mas querem noras que vivam em função da família. No fim das contas a gente não é nada do que o inconsciente coletivo espera de uma mulher. E o melhor: nem queremos ser. Que fique claro, nós não vamos andar para trás. Então vai ser essa mentalidade que vai ter que andar para frente. Nós já nos abrimos pra ganhar o mundo. Agora é o mundo tem que se virar pra ganhar a gente de volta.

Por Ruth Manus


domingo, 22 de junho de 2014

Duas noites

O Sol dorme tranqüilo enquanto inquieto um coração se revira em um peito. Em duas noites pensa esse coração: uma que logo foi, e uma que não se demora. A noite anterior foi a noite do amor passado, a noite da reconquista, com ocaso de velhas expectativas e do alvorecer com promessa de epílogo. A noite por vir tem cheiro de prefácio, livro novo, que se manuseia, cheira as páginas, folheia e passa o olho pelo índice. O coração sabe que na noite por vir nada será o que se espera. Será o inesperado superestimado? O coração deveria passar mais tempo revendo o que já viu, a noite que passou, e se decidir logo. Ponderar é perdoar? Quando vemos um sentimento ali perto, e não ousamos olhar para ele, que temos medo? Que ele nos olhe de volta? 
Com alegria sacrificaria cem dias de luz para manter viva a chama da noite que passou. Foi uma noite quente, com cheiro de perfume no ar. Não havia muito o que dizer, as palavras são criados infiéis. Certos assuntos não devem ser tratados com a interpelação dos ouvidos, mas diretamente pelas bocas. O assunto foi longo, e foi um só: aquela noite deveria se estender, mas o tempo urge, e o dia cega. Qualquer tratativa noturna queimará rapidamente na manhã vindoura. 
A noite por vir, como um príncipe recém nascido, não faz idéia do dever e missão que a aguarda. Não se pode exigir que uma noite valha por duas, afinal, ela é a metade de um dia que não se adia. Virá quente, como aquela outra, ou será fria? Terá perfume? Se passada não se abstrai conclusões, quiçá por antecipação elas viriam. Quando o dia vier, e empurrar a noite por vir para debaixo de um risco em um calendário, o que nela foi edificado suportará o sol, as chuvas, e quantos mais inimigos a ela se oporem? Difícil saber. 
Qual noite me prenderá? Outrora me disseram: Se tens dois amores, vá com o segundo, que se o primeiro fosse verdadeiro, o segundo não seria cogitado. É verdade? Não se pode comparar Vênus e Netuno. Também não sei comparar meus sentimentos. São líquidos, em vasilhas profundas, onde não me atrevo mergulhar. Mas logo de mim será exigido que me posicione. Se não escolher uma das noites, dormirei só. Alguém consegue ser feliz sozinho? Sei que sim. Mas o mundo é um lugar cruel para perambular sozinho a noite. Em cada canto espreita um espinho da vida. A serpente da solidão desliza sem emitir um som. Há, ela promete, sempre a opção de aguardar a chegada de uma terceira noite, começar de novo, esconder a cabeça na areia. A solitude é admirável justamente por ser tão difícil. Não se deve recorrer a ela apenas por medo de viver junto a alguém. Nem tratar pessoas como noites, ou carne em gôndolas, de todo modo. A vida nunca deixa darmos cabo em nossos planos, não sei nem porque ainda me dou ao trabalho de tecê-los.

Por Luis Sescão


sexta-feira, 13 de junho de 2014

A copa é nossa

Pois é, o futebol voltou pra casa e infelizmente ele não poderia ter sido mais mal recebido. Quinhentos e tantos anos de história e alguns resolvem que um evento mundial, realizado por uma organização internacional é a culpa e a solução de todos os nossos problemas políticos e socioeconômicos. Vai ter copa sim, vai ter muita copa! E vai ter olimpíadas também. E depois? Eles vão culpar a quem? Uma coisa que muitos esquecem é que vai ter eleição também, cadê o ódio a atual presidenta nas urnas? Não que ela seja culpada, o povo brasileiro sempre sofreu com todos os tipos de políticas que lhe foram impostas. Não aprendemos a lidar com isso, bicho fedorento e esquisito que sempre mais de uma cabeça. Um ano atrás jovens como eu viram em um sonho a verdadeira face da política e juntos fomos atrás deles. E então? Uma ou outra conquista veio e simplesmente deixamos de lado. Temos esse defeito grande: nos acomodamos muito e de forma rápida. Entupir vias cruciais de acesso aos estádios e "mostrar pro mundo" que as coisas aqui estão erradas não adiantou nada e dificilmente adiantará. As mudanças que pedimos é algo que temos que fazer de dentro, inclusive começar dentro de nós. Chega de bebês chorões esperando por mamadeiras gigantes. As manifestações nos grandes centros, geralmente marcadas para que a mídia transmita não nos levam a lugar nenhum, se ainda não perceberam. É necessário haver cabeça e discernimento para pontuar os maiores erros e buscar, um a um, resolvê-los com sensatez. As marchas estão direcionadas para os lados errados. Eu mesma já passei pela fase de dizer que odiava futebol, não que eu ame e viva por isso mas qual é, quando se é brasileiro é meio difícil negar e eu descobri isso na primeira vez que chamei um time de meu e parei pra assistir um jogo. Agora, multiplicar isso pela seleção do meu país é algo que não tem como medir ou contar. É lógico que eu acho nosso manto canarinho o uniforme mais bonito do mundo e obviamente nada no mundo supera nosso hino. Eu realmente gostaria de ver as casas com bandeiras estendidas do lado de fora sempre, longe desses quatro anos marcados pela publicidade do campeonato. Eu amo meu país e assim como dizem nas histórias por aí, quando é amor nada mais importa. Os problemas e defeitos estão aqui desde antes do meu nascimento e foram uma imposição vinda a mim na condição de brasileira. Eu aceitei. Amo minha pátria com toda a sua podridão e quero mudar isso assim como todos os outros. Amo meu hino e minha seleção. Amo o futebol moleque, o samba e o olodum. Não estou nem um pouco contente com o mundial em si. Perdemos toda a confiança no quesito estrutura, atrasamos as obras e mesmo assim não conseguimos chegar a tempo. Veio o fiasco da abertura. A maquiagem, figurino, enredo, música, conceito, estavam até que muito bons mas foi muito pouco. Buscaram uma profissional Belga para coreografar nosso país e eles não fizeram nada. A coreografia esteve pobre, muito pobre. Ótimas ideias e péssimas execuções, além de ter sido extremamente curta. A música "tema" foi um fiasco a parte, o playback saiu da marcação e deixou todo mundo com cara de filme mal dublado. Além disso, outro fiasco é deixar grandes nomes da nossa música para trás e convocar Jennifer Lopes e o rapper PitBull para gravarem. Claudinha Leitte até que fez um esforço e entrou por cotas mas eu ainda queria que o tema da nossa copa do mundo tivesse um Jorge BenJor, Gaby Amarantos, uma pitadinha da nova geração da mpb além de muito olodum e as batidas do nosso funk carioca. Queria Monteiro Lobato, Clarice Liscpetor e Cecília Meireles. Queria assistir o quinto país mais rico do mundo assumir seu posto. Queria onças-pintadas, bois bumbá; Botos cor de rosa. Queria sacis, iaras e curupiras. Queria ver nós, eu e você, ali, bem no meio do gramado. Pluraridade. Mas é hipocrisia reclamar isso agora afinal em 2010 todos estávamos muito contentes aprendendo a coreografia de WakaWaka sem se perguntar se a África do Sul tinha algo da sua música pra mostrar ao mundo. Por fim, o jogo. Tão temido jogo de estréia com um rival nada comum. Só enfrentamos a Croácia três vezes de onde levamos dois empates e uma vitória apertadinha no um a zero. E aí? será que dá? Pois é, deu. Deu gol contra logo no comecinho do jogo, inclusive foi o primeiro gol contra na história das copas. Deu pênalti que nunca existiu e acabou que passamos. Temos as mais belas mulheres, praias, pessoas. Somos o povo mais criativo do mundo e nem ao menos sabemos disso. Quero tanta gente preocupada com os gastos públicos e amando tanto nossa bandeira sempre, todos os dias. Vestindo o verde e amarelo e sabendo estar feliz assim. Queria que todos sentissem como eu me sinto quando vejo qualquer coisa relacionada a copa e me lembro que, a partir de hoje para contados trinta e dois dias, todos somos apenas um. Somos a vontade de erguer a taça e comemorar tudo que sabemos fazer de melhor. Uma felicidade sem cor ou forma tamanha, que escorre pelos meus olhos toda vez que vejo algo relacionado e me lembro que o mundo inteiro veio ver como é que se joga futebol. A torcida foi um show a parte, finalmente algo que daria para se orgulhar. Chegaram à pé ao estádio, formaram suas filas, entraram sem tumulto, todos uniformizados e ecoando aos ventos o quanto eram "brasileiros com muito orgulho e com muito amor". Coisas assim são do tipo que fazem sentido viver mais alguns dias e acreditar no futuro, ainda que o passado não valer nada e o presente não lhe ser útil. Alguns "S" e muitos plurais. Tão plural como sempre fomos. Nossa cara colorida, de brasileiro mesmo. Sem ser branco, negro ou indío, só brasileiro. Único e exclusivamente brasileiro. 


quinta-feira, 12 de junho de 2014

Desvaneios

Não se pode cobrar de quem não te deve nada, tão pouco pode-se levar a sério coisas que nem ao menos são reais. Nada daquilo tudo aconteceu. São casas de papel, areia exposta ao vento. São só as suas memórias e nada mais. É você, assim como era eu antes de começar. Sozinho, vazio, perdido. Nenhuma palavra no mundo ilustra. Não teve, não terá. Esqueça tudo isso que nem aconteceu. Os sorrisos sempre foram os nossos projetos, nunca projetaríamos nada além da alegria. Não existe sentido em fazê-lo se não for por amor à leveza brilhante que a alegria traz a vida. Não se pode medir o que não cabe em números, tão pouco pode-se sentir falta de algo que nunca teve. Castelo de areia que sofreu com a maré. Seria cômico se não fosse trágico. Todos esses nós que cercam o seu você. A gargalhada mais alta pode ser a mais vazia. Quem poderá afirmar? Concluir coisas não te deixam só mais perto de saber mas também te deixam a beira de errar. Os erros fazem parte da rotina afinal, viemos ao mundo para isso não é mesmo? Errar e construir com os nossos defeitos um castelo de cartas que ficará desprotegido para quem quiser derrubar. A eterna luta em saber que você não poderá evitar que te derrubem mas pode derrubar outros para compensar. Não se pode contar com pessoas que não estão com você, assim como as que estão ao seu lado estarão lá amanhã e também depois de amanhã. Eu sei que tenho tudo, mas felicidade não cabe em vidros. Não grito minha felicidade porque já fui infeliz até mesmo com ela. O martírio até poderia ser menor se ele não fosse o responsável por tudo isso. Eternamente grata por cada segundo, sem querer afirmar que estou efetivamente satisfeita com ele. Maré baixa, eu remo devagar mas persisto. Uma vida estruturada em persistir. Fazia tempo que não passava por aqui mas eu precisei. Procurar ajuda é outra coisa que não sei fazer. Não se pode aprender o que você já sabe, tão pouco se pode intitular-se de feliz quando o coração diz o contrário. Não se pode sentir falta daquilo que você não precisa, tão pouco precisar de coisas que possam e provavelmente irão, vez ou outra, fazer você chorar.