sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Respiração

276 dias.
Me deixa ficar triste, eu tenho esse direito.
Clarice certa vez requisitou o direito ao grito, e portanto gritava. Gritava através de suas palavras e histórias. Gritava em sua silenciosa solitude. Hoje, eu peço pelo meu direito de ficar triste, ou até mesmo de ser triste.
Nunca fui do time positivista, apesar de tentar incessantemente manter um bom humor. Mas faz tempo que caminho de cabeça baixa, e não existe muita coisa a ser feita que não se baseie apenas no "aguente firme". Pois bem, eu estou aguentando. Aguento num tom de azul. Aguento triste, mas por favor me deixa, eu tenho esse direito.
Já fazia algum tempo que eu não saía de casa para eventos propriamente noturnos. Aliás, eu não tenho saído de casa pra quase nada. Ontem eu fui a um show, e foi bem divertido. Encontrei amigos que eu não via a tempos e foi bastante agradável mas, apesar do calor estar insuportável e me render um gigantesco desconforto - com direito a falta de ar e dermatites - o problema não foi só esse.
Cheguei em casa com uma forte dor nas costas mas não era algo propriamente muscular, era mais um cansaço enorme, como se eu tivesse erguido muito peso ou prendido minha respiração por horas. E não foi a primeira vez que isso aconteceu. Notei isso em outros dois eventos anteriores, sendo que um deles foi uma reunião bem tranquila entre amigos. A questão é que realmente era um cansaço, estar fora da minha casa me obriga a fazer um esforço enorme e pra piorar, boa parte desse esforço é porque eu tenho medo.
Tenho medo demais. Um medo que chega a ser sufocante de virar a esquina e dar de cara com qualquer vestígio que venha dele. Sei que é tolice. Sei perfeitamente que isso nem sentido faz. Sei também que acabou e deveria ficar pra trás. Sei, infelizmente, que nós nos desconhecemos ainda quando estávamos juntos mas meu medo não é só esse. Tenho medo também de conhecer alguém e numa ironia imensa do universo o clichê se repetir, e esse alguém se tornar o novo ele. Tenho medo até mesmo de alguém faça, ou seja algo que remotamente possa vir a me trazer lembranças, e assim me deixar mais mal do que eu já estou naturalmente. Sentir-se dois pra depois voltar a ser um é algo que realmente te corta em pedacinhos pra poder te separar. Eu ainda não estou inteira, nem sei se um dia vou conseguir ficar, então por favor, tente entender e me deixa ficar triste.
Me deixa desativar meu Facebook, tirar minha foto do Whatsapp. Parece loucura mas é a maneira que eu encontrei de não existir quando assim me sinto, inexistente. Melhor estar off no online do que finalmente ficar off da vida. 
Por favor, pare de me culpar por não sair pro barzinho na sexta a noite mesmo que seja a dois quarteirões de casa e pra uma única cerveja. Se eu disse não eu realmente não quero ir. Sair de casa me requer uma energia excessiva que eu realmente não preciso gastar. Eu não preciso sair, ninguém precisa. Eu só preciso ficar bem e juro que é exatamente isso que estou tentando, a mais de duzentos e setenta dias.
Me deixa ficar em casa, onde é seguro e minha solidão não atrapalha ninguém. Por favor. Me deixa aqui quietinha que em algum momento eu durmo e tudo fica "bem". É assim que é a vida e eu sei que a grande maioria é assim. Me deixa chorar em casa, quieta, em mim. Ninguém é obrigado a ser comercial de margarina. Pode não parecer saudável mas pra mim saudável é fazer algo que eu me sinta confortável, e infelizmente fingir que está tudo bem não se encaixa nesse quesito.
 
"Lost myself and I am nowhere to be found"




terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Veja Cabocla



Lembra e sorri, enquanto as coisas são fáceis e simples.
Lembra e se acalma, porque vocês não se pertenciam e tudo era vasto, e ilimitado.
Sorri e vive como se tudo na vida fosse leve, e nada mais importasse a não ser vocês, ali, sorrindo.
Lembra e cantarola como alguém que já cumpriu suas tarefas e está de folga.
Assovia como quem não espera muito além da felicidade.
Desconhece que a história continua e evolui.
Passam a se pertencer, e a se consumir.
Ignoram a dependência que se causarão cedo ou tarde.
Faz de conta que nunca ouviste falar da dor que vocês irão sucumbir, e, como juntos vão se levantar e fingir que nada aconteceu.
Se arrastando, apoiando um no outro, enquanto só o sangue vai traçando seus passos, já ensaiados.
Sabia o caminho de ida, não adianta de nada ignorar o de volta.
Hora ou outra um dos dois parariam, ou quem sabe os dois desistam, juntos.
Eu sinceramente não sei quem atira primeiro, mas tanto eu quanto você, já ouvimos o estalo do gatilho.
A vida têm sim um roteiro, mas ele vive encharcado por drama.
Em felicidade frágil e rasa não se mergulha, cabocla.
Se inicia uma prosa, saiba bem quais histórias contar.   

sábado, 3 de dezembro de 2016

"De morrer, sim, eu sabia, pois morrer era o futuro e é imaginável, e de imaginar eu sempre tivera tempo. Mas o instante, o instante êste - a atualidade isso não imaginável, entre a atualidade e eu não há intervalo: é agora, em mim. 
- Entende, morrer eu sabia de antemão e morrer ainda não me exigia. Mas o que eu nunca havia experimentado era o choque com o momento chamado "já". Hoje me exige hoje mesmo. Nunca antes soubera que a hora de viver também não tem palavra. A hora de viver, meu amor, estava sendo tão já que eu encostava a boca na matéria da vida. A hora de viver é um ininterrupto lento rangido de portas que se abrem contìnuamente de par em par. Dois portões se abriram e nunca tinham parado de se abrir. Mas abriram-se contìnuamente para - para o nada? 
A hora de viver é tão infernalmente inexpressiva que é o nada. Aquilo que eu chamava de "nada" era no entando tão colado a mim que me era... eu? e portanto se tornava invisível como eu me era invisível, e tornava-se o nada. As postas como sempre continuavam a se abrir. 
Finalmente, meu amor, sucumbi. E tornou-se um agora."
LISPECTOR, Clarice 
A Paixão Segundo G.H. (1964)