sábado, 3 de dezembro de 2016

"De morrer, sim, eu sabia, pois morrer era o futuro e é imaginável, e de imaginar eu sempre tivera tempo. Mas o instante, o instante êste - a atualidade isso não imaginável, entre a atualidade e eu não há intervalo: é agora, em mim. 
- Entende, morrer eu sabia de antemão e morrer ainda não me exigia. Mas o que eu nunca havia experimentado era o choque com o momento chamado "já". Hoje me exige hoje mesmo. Nunca antes soubera que a hora de viver também não tem palavra. A hora de viver, meu amor, estava sendo tão já que eu encostava a boca na matéria da vida. A hora de viver é um ininterrupto lento rangido de portas que se abrem contìnuamente de par em par. Dois portões se abriram e nunca tinham parado de se abrir. Mas abriram-se contìnuamente para - para o nada? 
A hora de viver é tão infernalmente inexpressiva que é o nada. Aquilo que eu chamava de "nada" era no entando tão colado a mim que me era... eu? e portanto se tornava invisível como eu me era invisível, e tornava-se o nada. As postas como sempre continuavam a se abrir. 
Finalmente, meu amor, sucumbi. E tornou-se um agora."
LISPECTOR, Clarice 
A Paixão Segundo G.H. (1964)