terça-feira, 26 de agosto de 2014

Ponta

Acordava quase sempre as nove. Assim, quase sempre porque era quando dormia. Preferia que não o fizesse. Tinha medo de perder um segundo de vida que fosse. Vivia por tentar segurar a vida com as mãos, trazer na ponta dos dedos tudo que a cercava. À dias que não se importava muito. Tinha decidido parar de se importar, apesar de não conseguir. Não era por falta de coragem, na verdade era meio que um excesso. Sobrava coragem para saber com aquela certeza que gelava a alma, de o ponto final bateria na porta. Cortaria todos os sentimentos se pudesse. Separaria seu ser de tudo que a tornava humana. Rasgava seus dias como quem não quisesse pensar em juntar os pedaços. Aguardava ansiosamente pelo momento onde algum cientista do outro lado do mundo anunciasse que já era possível congelar momentos de sua vida. Assim quem sabe ela poderia perder outras inúmeras tardes com o sono que ela não dormiu a noite. Todos os pensamentos vagantes que lhe rendiam a cefaleia que teoricamente foi herdada do pai. Esperava com ânsia de sair. Saltar de paraquedas. Queria trazer tudo e todos para dentro do seu peito, assim como trazia facilmente a solidão de cada despedida. Em pequenas gotas de veneno sobre a ferida aberta ela tentava, relutante, dizer a si mesma que tudo estava bem como sempre foi. O problema é que não estava bem. Sentir saudades é algo comum mas, sentir saudades de algo que você ainda não perdeu é angustiante e um completo martírio. Não aprendeu a se despedir. Sempre existiram apenas duas coisas das quais ela nunca aprenderia: como ser delicada e como dizer adeus. Sempre aprendeu bem tudo que lhe foi ensinado, e sempre possuiu uma ânsia de conhecer que não era plausível. Chorava, e muito. Todos os dias. Já ouviu dizer que as pessoas mais sorridentes são as mais tristes? Sentia falta de quando a vida ainda tentava lhe enganar fingindo ser doce ou fácil. Nada seria fácil. Estou tentando ajudá-la a algum tempo mas parece que ainda não conseguiram encapsular abraços ou drenar saudade.