domingo, 30 de junho de 2013

Amargo

Eu gosto é do amargo. Esse doce que já pensou em ser salgado em algum momento da vida. Picantemente ácido, longe de qualquer realidade de sabor. Me disseram que o amargo não era bom, e me deram vários motivos para não questionar. E vejam-me aqui. O destino me descobriu pra me provar que o amargo faz bem. Distância inquietante da perfeição. Prefiro as coisas que não dão certo de início. Gostava de você aqui, perto, quente. Por que insistir em uma ilusão perdida? Gosto de sambar à beira do precipício e se possível que eu possa estar de olhos vendados. Aquela liberdade de se permitir colocar tudo em risco no próximo passo. Não é a maneira mais confortável, nem a mais usada, mas eu adorei ela. Rir sem saber das dores da vida, chorar com a certeza de que tudo acaba. Eu prefiro o amargo mesmo. Inquietante ânsia de viver. Insaciedade de saber, procurar por algo de qual não se sabe. É por aqui que quero caminhar, passo a passo de uma armadilha para ursos. Quero a distância do doce. Chocolate não pode fazer bem a quem sofre com enxaquecas. Não que eu não goste do doce, alguma vez dar certo de vez em quando não faz mal nenhum. Uns sorrisos despreocupados para lá, uma felicidade repentina e boba pra cá. Mas é que o amargo tem um charme a mais, uma segurança conquistadora de certeza concreta. Não tenho nada contra o salgado, nada muito além de uma pressão arterial um pouco acima do necessário. Mas dar uma temperadinha na vida não mata ninguém não é? Jogar as coisas pra cima e viver apenas assim. Solto, leve. Alucinante liberdade de uma alegria quente. Marcando terreno onde fosse necessário. Ácido como qualquer outro ácido poderia ser: colorido. Diversificar vez ou outra só pode ajudar. Algodão doce de festa de criança, passeio pelas montanhas de bicicleta. Leveza espiritual. Meu preferido sempre será o amargo, realidade irreal das certezas evasivas. Loucura necessária, doentia controlada. Felicidade em viver mesmo sabendo da verdade da vida.


segunda-feira, 24 de junho de 2013

Os R$ 0,20 que pagaram a minha vida

E como eu poderia deixar de escrever? Não existe possibilidade de tampar os ouvidos a algo de tamanha grandeza. Eu sempre amei meu país mas o orgulho que carrego neste momento é muito maior do que eu pensei em sentir algum dia. Um momento histórico. A reforma que precisávamos. 20 centavos para mudar anos e anos de problemas sociais e políticos. Não são vinte centavos são mais de 194 milhões de brasileiros gritando por mudança. Passei três dias dormindo apenas duas horas por dia, a ansiedade não deixava. Acompanhei os protestos desde o início e a cada dia minha sede crescia mais. Eu não consigo descrever a emoção deste momento. Escrever, de mãos dadas a todo o povo brasileiro, a nossa história. Exercer a nossa cidadania no mais alto pico de poder. Todo poder emana do povo e é foi essa frase que despertou o adormecido. Toda uma geração que nascia enquanto Collor caía. Filhos das caras pintadas e netos da ditadura. Aqui estamos nós! escoando pelos quatro cantos e sete mares o que queremos e como queremos. Geração dos anos 80 e 90, as melhores até hoje. Eu sempre tive orgulho da minha geração mas nunca beirou o que vivemos agora. Revolução, no seu mais alto significado. Força de vontade, as caras nas ruas. Nós vimos a internet nascer e soubemos dominá-la de uma forma que ninguém mais sabia. Domada e trazida em rédeas curtas, sempre achamos o que procuramos e finalmente ela foi o canal dessa vitória. Milhões de jovens que aprenderam a gostar de ler, preferiram as aulas de história, diversificaram aprendendo outras línguas através de seriados. Uma nação com sede de mudança que sabe onde pisa e sabe defender suas ideias. Uma geração que sabe que a sexta economia do mundo não pode conviver com a podridão que está no sistema dela. O hino nacional nunca ecoou tanto em minha mente. A minha alma pede por mudança, e eu estarei aqui, nas ruas, de peito aberto, seja lá ou o que estiver por vir. Quero contar para os meu filhos e mostrar para os meus netos o quanto nós nos preocupamos com o futuro que eles herdariam, o quanto lutamos para que as coisas dessem certo. Verás que um filho teu não fugirá a luta minha imensidão multiracial colorida e forte, avante meu gigante! Seu poder está nas ruas, o controle foi retomado. As coisas agora, terão de mudar.




quarta-feira, 5 de junho de 2013

De lá pra cá

São quatro horas da manhã de quarta feira. De costume, Clarice deveria estar dormindo à pelo menos duas horas. Algo está diferente. O cachorro dos vizinhos está chorando a tempo. Um choro pausado, mais parecido como um pedido de socorro. Clarice gostaria de poder fazer algo, era óbvio que o filhote estava incomodado com a impiedosa temperatura que fazia naquela noite. Ela estava em seu quarto caloroso, enrolada nas cobertas que mais pareciam mantos reais de tão pesadas, o braço ainda ardia como se algo cortasse sua carne quando a possibilidade de sair dali chegava. Quantos graus estaria lá fora? Ao céu aberto, sem proteção nenhuma. Jogado ao além, submerso ao seu destino. Eles tinham muito mais em comum do que qualquer um imaginaria. Quem dera que os dois pudessem igualmente gritar por socorro a quem escutasse. Suas coincidências se dividem no mórbido muro de concreto que separa seus mundos. O pobre cachorro depende de pessoas para poder resolver seu problema, Clarice têm problemas por causa das pessoas. Pessoas, seres que dividem a existência. Igualmente patéticos e surreais. Muitas vezes desnecessários, repletos de maldades e desinteresse. Coisas que caminham pelo mundo não fazendo nada além de tentar ser superiores. Seres que se esqueceram como é amar, congelando seus corações e fazendo o máximo para contaminar a todos. Determinados a serem tristes deixando suas vidas à deriva. Cuspindo palavras desagradáveis a quem queira ouvir. Clarice não se sentiria tão mal com o choro do filhote se hoje não fosse hoje. Se seu antigo amor já tivesse decidido qual sinfonia seguir. Se as ordens que ela havia dado ao coração fossem seguidas e ela nunca mais se apaixonasse de novo. O cachorro não precisaria gritar se sua dona, tivesse uma gota de compaixão e percebesse que ela precisava tomar uma decisão para que nada disso voltasse a acontecer tal como Eduardo. O namoro dos dois não durou nem um ano, a vizinha e seu cachorro acabaram de se conhecer. As diferenças gerando as coincidências. Poucas coisas poderiam estar ligadas se não se olhasse nessa perspectiva. O grito fica mais alto e Clarice fica a cada minuto mais atordoada. O quarto já não é um lugar seguro. Ela resolve correr, abre a porta e vai. E o filhote continua a gritar por calor, pedindo em cada súplica um único resquício de atenção. Os fatos seriam diferentes se fossem diferentes e como é necessário que eles mudem. Ela não vai mais dormir. Ele não a deixa dormir. E assim dividem suas dores em uma linha imaginária onde o muro de cimento úmido e cinza não existe. A cada minuto mais parecidos do que qualquer pessoa pode chegar a imaginar.