sábado, 10 de novembro de 2012

Bohemian

Sentava-se no mesmo balcão pontualmente as dez da noite de todos os dias. Com a mão ainda dentro das luvas pedia ao garçom um licor para começar a noite. Esperava. As luzes acendiam e apagavam impiedosamente no mesmo horário. Era quase uma religião. Os dias passavam um a um sem que muito se notasse, tal como as horas que traziam consigo outra e mais outra dose de whisky. Vez ou outra um cavalheiro sem muita gala arriscava-se a se sentar ao lado daqueles longos cabelos pretos e olhar frio: "E aqui estamos nós novamente", pensava em silêncio enquanto fingia rir e se interessar por cada bobagem que seu novo acompanhante dizia. Anna, Manuela, Vicentina, dependia muito do dia e do clima. Nunca tivera um nome fixo, tal como endereço e telefone. Quando possível acendia um ou dois cigarros, um a traz do outro, e fumava como quem tenta sugar uma alma. Sua vida não era fixa o suficiente. Pulava de galho em galho como um cachorro procurando comida em um saco de lixo. E assim era sua vida, triste como uma sinfonia de poucas notas, calada que só. Volta e meia até se brindava em sair com um dos carentes que lhe pagara os drinks da noite. Do bar para alguma outra casa desconhecida, bem as altas da noite. Nunca se preocupou muito com horários. Na vida que ela mesma lhe dera não se fazia necessário. Tão vazia quanto os copos que deixava esparramados pelo balcão. Parecia parada no tempo, estática. Jogada a casualidade da sorte. Quem sabe um dia. Não se sabia o que fazia no restante da noite, a única certeza era o bar. Velho e querido companheiro de longas e tristes jornadas. A banqueta ao lado do balcão já parecia lhe pertencer. Tantos e tantos anos jogada naquele mesmo canto como um mendigo esperando por um pão. Ela sem dúvida pedia por algo, algo totalmente diferente do que havia tido em toda sua vida. Implorava para que pudesse sentir algo, um calor, nem se fosse uma leve chama dentro de seu gélido peito. Olhava fielmente o mesmo ponto do bar: a janela. Era de lá que podia ver e imagina como seria a tal da felicidade. Esperava sem pressa alguma o dia em que aquele moço atravessaria a rua para levá-la, para um lugar do qual nunca deveria ter saído.