sexta-feira, 22 de março de 2013

Queremos o que não teremos. Ouvi dizer que a função da utopia é nos fazer caminhar, que ela dá um passo para trás conforme damos um passo em sua direção, e que a beleza está no trajeto e não no destino. Bobagem. Somos apenas vilipendiados por nossas ambições vazias. Traídos por nossos planos. Queremos o que não teremos, porque se tivéssemos, iríamos buscar por algo outro. Carlos Drummond dizia que as coisas tangíveis tornam-se insensíveis à palma da mão. Talvez então seja o caso de nossa curiosidade tentar antecipar de que maneira, em qual realidade, aquilo que desejamos tanto se tornaria despido de relevância, e ficaria esquecido na prateleira. Incapaz de pintar tal quadro, vemos cada gesto de nossa existência viva empurrar para longe nosso objetivo. Que não é, claro, nosso objetivo. Só uma parte de nossa mente espera impaciente que caia em nosso colo nossos sonhos e nossas súplicas. Ante cada minuto em que isso acontece somos açoitados pela frustração impúbere que se decanta ora em raiva, ora em tristeza, mas principalmente em um falso desdém que sentimos em relação a nossos próprios sentimentos. O que é felicidade? Felicidade é uma experiência que nos afasta momentaneamente das birras do nosso coração, um momento de fuga em que estamos distraídos efetivamente vivendo a realidade mundana e não aquela tecida por nossos tecidos neurais, que dá existência à inconsistência de nossas expectativas. Ao lado disso, temos que admitir que somos prisioneiros de nossas vontades, uma vez que tampouco elas estão trancadas em nós, estamos nós também trancados nelas. Como contar a um terceiro o que sentimos? Nossa mente racional compreende que não há forma de traduzir em palavras nossos sentimentos... Que o ouvinte por mais solícito que seja, vai ver não a profundidade de nosso sentimento, mas a tolice que nos serve de cárcere... Mesmo o punho que escreve, o faz em tom subjetivo, tentando imprimir um caráter genérico a sua angústia pessoal. A tristeza tem tamanho único, e é trágico que ela sirva tão perfeitamente. Quando o objeto que desejamos é mesmo um objeto é mais fácil racionalizar a impossibilidade ou dar cabo a um plano para consegui-lo: afinal, ou faz parte das coisas que é possível um dia obter, ou não. Mas é claro que nosso objeto de desejo não é um objeto... É uma pessoa. E as pessoas também podem ser divididas entre aquelas que poderemos ter e aquelas que nunca poderemos. Só que aí se instala um caráter subjetivo que faz com que caia por terra os esforços da razão: o objeto pessoa pode ser perfeitamente tangível, estando dentro do mundo físico em que estamos, e mesmo assim estar inacessível. Não creio haver sentido nos desígnios da emoção: como um reino nas mãos de uma criança, a desordem impera em nossos sentimentos e aqueles que pretendem ver ordem em tal caos são tão loucos quanto é aquele que redige tais desígnios, se redigidos fossem. Somos então escravos de nossas formas físicas, de nossa condição pessoal, e da nossa vulnerabilidade, que uma vez percebida, será para sempre nosso ponto fraco. Está aí o motivo por escondermos nossos sonhos dos outros: por meio deles levaremos as punhaladas mais profundas, letais e venenosas, em caso de descuido. “Por que você não me ama!? Droga, será que é assim tão difícil que você me ame!? Me ame agora!” grita nosso coração enquanto o rosto desenha o mais corriqueiro e desinteressado “Olá” matinal. Aprendemos a mentir não com outros mentirosos, mas pela convivência com nossos amores platônicos. Platônico, porque não importa o quão carnal seja nossa vontade, ela é, afinal, subjetiva: a conjunção carnal, se conquistada, marca apenas o fim da urgência, esta que tratará de logo encontrar outra pauta com a qual nos atormentar. Parece então tolice tentar vencer nossas vontades, e é verdade. Quem vive para fazer as vezes das determinações do coração não vive, apenas sobrevive. Nossos sentimentos são cruéis e buscam nos eliminar, numa astuciosa tática evolutiva de encravar em nossos peitos um conselheiro vil, que sussurra em nossos ouvidos pelo prazer de nos distrair da plenitude da vida, que é viver sem roteiro ou ponto de chegada.

Luis Sescão